DISPUTA CHINA-EUA PODE BARATEAR PRODUTOS NO BRASIL?

 



A intensificação da guerra comercial entre Estados Unidos e China, marcada pela reativação das tarifas norte-americanas sobre produtos chineses, está gerando repercussões globais. Embora o conflito crie tensões em cadeias produtivas internacionais, ele pode trazer um efeito colateral positivo para o Brasil: o alívio na inflação de bens industriais.

Com os EUA impondo barreiras à entrada de produtos chineses, uma parcela considerável dessas mercadorias tende a buscar novos mercados. Nesse contexto, o Brasil se posiciona como um dos principais destinos alternativos. Esse redirecionamento de comércio ocorre especialmente porque os produtos exportados pela China para o Brasil e os Estados Unidos são, em sua maioria, os mesmos. Máquinas, aparelhos elétricos, plásticos, instrumentos mecânicos e fertilizantes estão entre os itens mais comercializados. Essa sobreposição facilita a redistribuição geográfica dos fluxos de exportação da China.

Atualmente, cerca de 15% das importações brasileiras têm origem na China, um crescimento expressivo frente aos 6% registrados em 2017. Já nos Estados Unidos, a participação chinesa nas importações vem diminuindo, o que abre espaço para o Brasil ampliar sua fatia. Esse possível avanço pode ter impacto direto sobre o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência para a inflação no país.

Simulações apontam que, mesmo sem mudanças nos preços praticados, um aumento de 10 pontos percentuais na participação chinesa nas importações brasileiras pode gerar uma queda de até 0,20 ponto percentual no IPCA. Se os produtos chineses chegarem com preços mais baixos, tendência verificada após a pandemia de covid-19, essa redução pode alcançar 0,50 ponto percentual, tornando-se um fator relevante de moderação inflacionária.

O impacto não se resume apenas ao aumento do volume de importações, mas também à composição dos preços domésticos. Estimativas apontam que, para cada ponto percentual de queda nos preços de importação, a inflação de bens industriais no Brasil tende a recuar em torno de 0,4 ponto. Isso ajuda a explicar por que os modelos econômicos vêm superestimando a inflação industrial nos últimos anos — muitos desconsideram o novo padrão de comércio internacional.

Com a redução das importações norte-americanas da China — que pode chegar a US$ 300 bilhões — o Brasil teria espaço para absorver uma parcela significativa desse comércio. Uma expansão de apenas um ponto percentual na fatia brasileira desse fluxo já representaria um incremento de até 10 pontos percentuais nas importações de produtos chineses.

Esse novo cenário, embora ainda dependa do comportamento dos importadores brasileiros e da manutenção de um ambiente livre de novas barreiras tarifárias, oferece uma oportunidade concreta para o país controlar parte da inflação de forma indireta. A substituição de produtos nacionais por similares importados mais baratos pode impactar sobretudo os segmentos de bens duráveis e insumos industriais, contribuindo para aliviar os custos na cadeia produtiva e, eventualmente, os preços ao consumidor final.

Embora o movimento não seja imediato, ele insere o Brasil em uma nova lógica do comércio global, em que tensões entre grandes potências abrem espaço para economias emergentes ganharem relevância. Nesse contexto, a disputa entre Estados Unidos e China, longe de representar apenas um conflito, pode trazer um fôlego inesperado à economia brasileira.

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