Nos últimos cinco anos, as três principais companhias aéreas que operam no Brasil — Gol, Latam e Azul — entraram com pedidos de recuperação judicial para reorganizar suas finanças. Além dos elevados custos operacionais, um novo “vilão” passou a ser apontado pelo setor: o excesso de judicialização.
Segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), os gastos com ações judiciais movidas por passageiros dobraram entre 2018 e 2023, passando de R$ 586 milhões para R$ 1,16 bilhão. Essa explosão de custos jurídicos tem impacto direto no preço das passagens e afasta potenciais novos operadores do mercado brasileiro.
Um processo a cada dois voos
O Brasil tem uma taxa alarmante de judicialização aérea: uma ação para cada 0,52 voos. Em contraste, companhias dos Estados Unidos enfrentam apenas um processo a cada 2.585 viagens. Cerca de 90% das ações no Brasil são por dano moral, com indenizações médias de R$ 6,7 mil, segundo levantamento da Abear em parceria com a Iata.
Esse cenário é alimentado por escritórios especializados que fazem “busca ativa” de passageiros por meio de anúncios online e até outdoors próximos de aeroportos. Muitos desses escritórios atuam em massa e concentram grande parte das ações. Um estudo da Abear apontou que apenas 20 advogados ou escritórios foram responsáveis por 10% dos 400 mil processos registrados entre 2020 e 2023.
Pontuais, mas processadas
Apesar do alto número de ações, as companhias brasileiras são algumas das mais pontuais do mundo. Em 2024, a Latam ficou em 4º lugar global em pontualidade, com 82,89% dos voos no horário. A Azul apareceu em 6º, com 82,42%, segundo relatório da Cirium.
Ainda assim, atrasos e cancelamentos são os principais motivos de reclamações. Em novembro e dezembro de 2024, por exemplo, 12,7% e 12,4% dos voos domésticos, respectivamente, tiveram atrasos superiores a 30 minutos, os piores índices em quatro anos.
Judicialização ou proteção do consumidor?
O debate sobre o excesso de judicialização divide opiniões. O secretário nacional de Aviação Civil, Tomé Franca, defende equilíbrio: “É preciso reconhecer o direito legítimo do passageiro, mas também enfrentar o fenômeno que ganhou dimensão internacional.”
Por outro lado, advogados que atuam no setor afirmam que muitos direitos básicos ainda são descumpridos. “Tenho clientes que dormiram no chão de aeroportos sem assistência. Não há excesso quando o serviço falha”, diz o advogado Danton Boechat.
Caminho para o equilíbrio
Para as companhias, a solução passa por seguir exemplos internacionais. Em países como os EUA, há valores fixos para compensações por atraso ou perda de bagagem, o que desestimula ações por danos morais genéricos. A Abear defende mudanças legislativas para limitar o dano moral presumido.
Enquanto isso, o custo dessas ações continua sendo repassado aos passageiros — um fardo invisível embutido no valor das passagens que todos pagam.
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