A busca por bem-estar na era moderna frequentemente se apoia no conforto e na conveniência. No entanto, a médica Maíra Soliani, PhD em Medicina e referência em medicina funcional, propõe um caminho oposto: o uso consciente do desconforto como ferramenta de transformação física e mental. Em entrevista recente, ela compartilhou sua visão sobre a importância de práticas como o jejum intermitente, a exposição ao frio e o enfrentamento do estresse como meios de restaurar a saúde e prevenir doenças.
A mudança de perspectiva de Maíra teve início após uma gestação difícil, quando se deparou com questões sobre seu próprio corpo e a eficácia das recomendações médicas tradicionais. Ao investigar mais profundamente temas como nutrição, resistência insulínica e obesidade, ela percebeu uma lacuna na medicina convencional: o foco excessivo no tratamento de doenças, em vez da prevenção. Essa constatação a levou a abraçar a medicina funcional e a desenvolver uma abordagem que valoriza o autocuidado e a disciplina como pilares de uma saúde sustentável.
No centro de sua filosofia está a ideia de que o corpo humano precisa de estímulos — inclusive incômodos — para funcionar de maneira ideal. Práticas ancestrais como o jejum, a sauna e o exercício físico são formas de “estresse positivo”, que ativam mecanismos naturais de reparo e adaptação, como a autofagia, processo pelo qual o corpo recicla células danificadas. Para Maíra, é justamente o excesso de conforto que tem provocado desequilíbrios metabólicos e emocionais em boa parte da população moderna.
Outro ponto levantado pela médica é o impacto da dopamina, neurotransmissor ligado ao prazer, que hoje é estimulado de forma constante por meio de consumo, alimentação ultraprocessada e entretenimento digital. Essa superexposição torna o cérebro menos sensível aos pequenos prazeres da vida, gerando insatisfação crônica e um ciclo de busca por estímulos cada vez mais intensos. Romper com esse ciclo exige não apenas informação, mas uma reprogramação profunda da mentalidade — o que ela chama de novo “mapa mental”.
Para Maíra, a mudança de hábitos precisa ser consciente e progressiva. Estratégias como eliminar lanches entre refeições ou antecipar o horário do jantar já são passos significativos rumo à regulação metabólica. Embora reconheça a eficácia de medicamentos modernos para controle de peso, como os agonistas de GLP-1, ela alerta que esses recursos devem ser usados com responsabilidade e nunca como solução mágica. Sem mudança de comportamento, há risco de reganho de peso e frustração.
A proposta de Maíra Soliani não é eliminar o conforto, mas equilibrá-lo com doses estratégicas de desafio. O desconforto, longe de ser um obstáculo, é visto como catalisador de crescimento e consciência. Em sua visão, saúde verdadeira não vem de atalhos, mas do compromisso com o processo. O caminho, segundo ela, está em assumir a responsabilidade pelas próprias escolhas e entender que resultados duradouros exigem esforço, disciplina e, sim, algum grau de desconforto.
Comentários
Postar um comentário