Em meio à rápida expansão da Starlink pela América do Sul, a Bolívia se tornou uma das poucas exceções ao crescimento da rede de internet via satélite da empresa de Elon Musk. Enquanto comunidades remotas em países como Brasil, Colômbia e Peru celebram a chegada de conexão de alta velocidade até mesmo em aldeias indígenas na floresta amazônica, a Bolívia decidiu seguir um caminho diferente: recusou-se a conceder licença para a operação do serviço em seu território.
A decisão surpreende especialmente diante da realidade digital boliviana. O país apresenta uma das piores conexões de internet da América do Sul, com velocidade média muito inferior à dos vizinhos e cobertura desigual. Pouco mais da metade das residências bolivianas têm acesso à banda larga fixa, enquanto o índice ultrapassa 85% em países como Chile e Brasil. Na prática, milhões de bolivianos ainda vivem desconectados, com dependência quase total da internet móvel — que, em regiões afastadas, é instável ou inexistente.
Em áreas rurais e florestais, a dificuldade de conexão chega a extremos. Moradores e até pesquisadores acadêmicos relatam a necessidade de subir em pedras ou árvores para captar sinal. Essa limitação afeta o acesso à educação, à informação, ao mercado de trabalho digital e a respostas emergenciais em momentos de catástrofes naturais.
Apesar do evidente déficit, as autoridades bolivianas optaram por não autorizar a entrada da Starlink, preferindo continuar utilizando seu antigo sistema de satélite chinês. O motivo oficial vai além de questões técnicas. Há preocupações crescentes sobre o controle global que Elon Musk pode exercer com sua constelação de satélites, especialmente pelo uso da rede por governos, forças armadas e instituições estratégicas em diversas partes do mundo. Essa dependência de uma empresa privada estrangeira para uma infraestrutura tão essencial tem levantado alertas sobre soberania digital.
A Bolívia, assim, se junta a um grupo de países que expressam cautela em relação ao domínio da SpaceX no setor espacial e de telecomunicações. Obstáculos semelhantes já foram impostos à Starlink em regiões do Caribe, Europa e África do Sul. Especialistas alertam para o risco de concentrar tanto poder em uma única empresa, o que pode comprometer a autonomia tecnológica e política dos Estados.
Internamente, a decisão do governo boliviano gerou críticas e frustração. Muitos enxergam na recusa uma oportunidade perdida de levar internet rápida e confiável a áreas que há anos vivem à margem do mundo digital. Ainda assim, o governo insiste na busca por soluções nacionais ou parcerias mais alinhadas com seus princípios de soberania e controle estatal.
O dilema boliviano expõe a tensão entre necessidade imediata e prudência estratégica. Resta saber se o país conseguirá, com os recursos e tecnologias disponíveis, reduzir seu abismo digital sem recorrer ao modelo que já está transformando a conectividade em grande parte do continente.
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