A Marfrig, uma das gigantes globais da indústria de carne bovina, surpreendeu o mercado ao suspender, desde 17 de julho, a produção voltada ao mercado dos Estados Unidos em sua planta de Várzea Grande, no Mato Grosso. A decisão, mantida em sigilo até ser revelada pela imprensa, foi informada ao Ministério da Agricultura como motivada por “razões comerciais”. No entanto, especialistas apontam que o cenário vai além de uma simples estratégia de mercado.
A unidade de Várzea Grande é considerada estratégica para a Marfrig. Comprada da BRF em 2019, ela reúne operações completas de abate, desossa e industrialização, com capacidade para processar até 2.000 cabeças de gado por dia. Sua estrutura robusta permite a produção de 70 mil toneladas de alimentos ao ano, com autorização para exportar a 22 países, entre eles duas das maiores potências: Estados Unidos e China.
O anúncio da suspensão das atividades destinadas ao mercado americano ocorre em um momento crítico para as relações comerciais entre Brasil e EUA. Dentro de dois dias, o governo norte-americano, sob comando do presidente Donald Trump, deve oficializar uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. Para analistas, trata-se de uma retaliação política, não apenas comercial, com relação direta ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) — processo que Trump classificou publicamente como “caça às bruxas”.
Desde abril, quando uma tarifa extra de 10% foi imposta ao setor de carnes do Brasil, os números já sinalizam os impactos: segundo o Ministério do Desenvolvimento, as exportações de carne bovina para os EUA despencaram 80% em apenas três meses. O volume, que era de quase 48 mil toneladas em abril, caiu para menos de 10 mil em julho. A nova tarifa, agora muito mais pesada, amplia a incerteza.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) calcula que a tarifa de 50% pode derrubar em até 47% as vendas de carne bovina para o mercado americano. Além disso, outros produtos do agronegócio, como café e suco de laranja, também devem ser afetados. No pior cenário, o Brasil poderá perder até US$ 5,8 bilhões em exportações apenas para os Estados Unidos.
Sem garantias de que novos embarques consigam entrar em solo americano antes que a nova regra passe a valer, frigoríficos em várias regiões já começaram a rever estratégias. Parte da produção foi redirecionada para outros mercados, enquanto outra parte simplesmente foi interrompida para evitar prejuízos logísticos e fiscais.
A Marfrig, até o momento, não sinalizou quando pretende retomar as operações voltadas aos Estados Unidos. O silêncio alimenta especulações sobre eventuais negociações de bastidores para tentar reverter a decisão do governo norte-americano ou, pelo menos, encontrar saídas comerciais alternativas. Internamente, o Brasil busca apoio de parceiros comerciais para pressionar contra as barreiras, mas diplomatas reconhecem que o cenário é desfavorável.
Para o consumidor brasileiro, a suspensão de exportações pode ter efeitos indiretos. Caso a carne bovina prevista para exportação seja direcionada ao mercado interno, o aumento da oferta tende a segurar os preços. Por outro lado, o enfraquecimento da receita de exportação pode afetar investimentos no setor, com impactos sobre empregos e geração de renda em regiões dependentes da pecuária.
Enquanto o impasse não se resolve, produtores, indústrias e exportadores monitoram cada sinal vindo de Washington. A nova tarifa, se confirmada, pode redesenhar o mapa das exportações brasileiras e abrir espaço para concorrentes de outros países ocuparem as prateleiras americanas.
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