O Brasil vive um momento delicado nas contas externas. Nos últimos 12 meses, o déficit em conta corrente chegou a US$ 73,135 bilhões, equivalente a 3,42% do PIB, superando o volume de Investimento Direto no País (IDP), que somou US$ 70,476 bilhões (3,14% do PIB) no mesmo período. Essa inversão preocupa porque, tradicionalmente, o IDP era suficiente para cobrir o déficit externo, evitando pressões adicionais sobre o câmbio.
O aumento do déficit está diretamente ligado a uma economia aquecida, crescendo acima do potencial. Especialistas como Luis Otávio Leal, da G5 Partners, lembram que déficits próximos de 4% do PIB indicam um crescimento mais acelerado do que o sustentável. A demanda interna aquecida impulsiona importações, enquanto as balanças de rendas e de serviços também pesam negativamente. No caso dos serviços, o consumo de streaming e produtos digitais vem batendo recordes de gastos externos.
Esse cenário é agravado por incertezas no comércio internacional. As tarifas de importação impostas pelos Estados Unidos, principal origem de investimentos estrangeiros para o Brasil, colocam em dúvida a continuidade do fluxo de capital. Lucas Farina, da Genial Investimentos, alerta que o prolongamento dessas tensões comerciais pode reduzir ainda mais o IDP, tendência já observada nos últimos meses.
Projeções do mercado refletem essa preocupação. A XP Investimentos elevou sua estimativa de déficit em conta corrente para US$ 73,5 bilhões em 2025, mantendo a previsão de IDP em US$ 70 bilhões. Já a Capital Economics adota uma visão mais pessimista, prevendo déficit de até 4% do PIB e riscos de queda na confiança dos investidores, o que poderia intensificar saídas de capital.
Os dados do Banco Central confirmam a deterioração: junho registrou déficit de US$ 5,131 bilhões, o maior para o mês desde 2014. Ajustado e dessazonalizado, o déficit anualizado já se aproxima de US$ 80 bilhões (3,6% do PIB), um salto em relação aos 1,5% a 2% observados no início de 2024.
Caso o IDP continue insuficiente para cobrir o déficit, duas soluções aparecem no horizonte: desaceleração da economia ou desvalorização cambial. Esta última, no entanto, traria riscos inflacionários, especialmente pelo repasse para alimentos e outros bens importados. Isso poderia atrasar o ciclo de cortes da Selic, hoje em 15%.
A Genial Investimentos projeta para 2025 um déficit de US$ 68 bilhões (3,08% do PIB) e entrada de investimento estrangeiro de US$ 66 bilhões (2,98% do PIB). Esse cenário ainda não considera uma escalada nas tensões comerciais com os EUA — caso ela ocorra, a pressão sobre o câmbio e a inflação tende a ser muito maior.
O quadro é de atenção máxima: o equilíbrio das contas externas dependerá de um ajuste na atividade econômica, da manutenção da confiança dos investidores e de um ambiente internacional menos hostil. Caso contrário, o Brasil pode enfrentar um ciclo prolongado de vulnerabilidade externa.
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