A partir desta sexta-feira (1º), uma nova medida promete mexer na rotina de milhões de brasileiros que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS). Uma portaria recém-apresentada pelo Ministério da Saúde autoriza planos de saúde privados a atenderem pacientes da rede pública de forma gratuita — mas não por caridade: as consultas, exames e cirurgias vão funcionar como uma espécie de “moeda” para quitar dívidas que essas operadoras têm com o SUS.
A iniciativa faz parte do programa Agora Tem Especialistas, criado para atacar um dos gargalos mais antigos do sistema público: a demora para conseguir atendimento especializado. A expectativa inicial é converter cerca de R$ 750 milhões em dívidas já existentes em serviços de saúde — um reforço bem-vindo para quem precisa de cirurgias, exames mais complexos ou consultas com médicos especialistas.
Como Funciona Essa Troca?
Em vez de pagar suas dívidas de ressarcimento ao Fundo Nacional de Saúde, as operadoras poderão oferecer diretamente consultas, exames ou procedimentos de média e alta complexidade para pacientes do SUS. Assim, quem está na fila da saúde pública poderá ser encaminhado para clínicas ou hospitais privados sem precisar pagar nada do próprio bolso.
Na prática, a portaria estabelece que as operadoras participantes precisam seguir uma lista de áreas consideradas prioritárias: oncologia, oftalmologia, ortopedia, otorrinolaringologia, cardiologia e ginecologia. São justamente especialidades onde as filas costumam ser mais longas e os equipamentos mais disputados.
Quem Pode Participar?
Para aderir, os planos de saúde interessados devem responder a um edital conjunto do Ministério da Saúde com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Além disso, terão que comprovar que possuem estrutura técnica, equipamentos e profissionais suficientes para realizar os atendimentos dentro dos parâmetros definidos pelo programa.
Há exigências mínimas para garantir volume de serviço: para quitar as dívidas, cada operadora precisará fazer mais de 100 mil atendimentos por mês. Planos de menor porte podem entrar na iniciativa com um número menor de procedimentos, desde que realizem ao menos 50 mil atendimentos mensais em regiões onde a oferta de consultas e exames é mais limitada.
Como Será a Fiscalização?
A ANS garante que os mecanismos de fiscalização e controle continuam valendo. As operadoras não podem usar o programa como desculpa para deixar de atender seus clientes regulares. Caso isso aconteça, multas e outras penalidades poderão ser aplicadas.
Para comprovar a prestação de serviços, cada consulta, exame ou cirurgia realizada gera um Certificado de Obrigação de Ressarcimento (COR). Esse documento é o que permitirá que o valor seja abatido da dívida com o SUS. Na prática, cada serviço prestado vale uma “parcela” da dívida total que a operadora tem para ressarcir.
O Que Muda Para o Paciente?
Na teoria, quem mais ganha são os usuários do SUS. Em vez de esperar meses — ou até anos — na fila por uma consulta especializada, o paciente poderá ser encaminhado para a rede privada, ocupando consultórios e equipamentos que muitas vezes ficam ociosos.
Se funcionar bem, a medida pode trazer alívio para a sobrecarga dos ambulatórios e hospitais públicos, além de otimizar a estrutura da saúde suplementar, que nem sempre opera em sua capacidade máxima.
Riscos e Desafios
Mesmo com boas intenções, o programa ainda gera dúvidas. Especialistas alertam para a necessidade de fiscalização rígida para evitar que as operadoras priorizem o SUS em detrimento dos clientes de planos privados, criando um “buraco” na rede suplementar.
Outro ponto de atenção é garantir que o volume de atendimentos prometido realmente aconteça e chegue a quem mais precisa, em estados e municípios onde a fila é mais crítica.
Próximos Passos
A nova estratégia faz parte de um pacote de ações para reduzir gargalos históricos na saúde pública. Se der certo, pode abrir caminho para acordos semelhantes no futuro, ampliando o uso inteligente da capacidade da rede privada para beneficiar também quem depende exclusivamente do SUS.
Por ora, a pergunta é: a fila vai andar? Para milhões de brasileiros, essa resposta vale muito mais do que cifras — significa qualidade de vida, agilidade no diagnóstico e mais chance de tratamento em tempo hábil. O desafio está lançado.
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