Por que a “venda de íris” continua proibida no Brasil, mesmo após mudanças da empresa de Sam Altman?

 


A tentativa da Tools For Humanity, empresa de Sam Altman (criador do ChatGPT), de retornar ao mercado brasileiro com um novo modelo de incentivo para coleta de dados biométricos voltou a ser barrada pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Em decisão divulgada em 5 de agosto de 2025, a ANPD rejeitou o novo recurso da empresa, que pretendia retomar a prática polêmica de recompensa financeira por meio de criptomoedas em troca do escaneamento da íris de cidadãos brasileiros.

Desde janeiro, a empresa foi proibida de oferecer tokens digitais (chamados Worldcoin ou WLD) a pessoas que se cadastrassem no projeto World ID, entregando dados biométricos sensíveis. A justificativa da ANPD foi clara: esse tipo de incentivo desequilibra a relação entre empresa e cidadão, podendo pressionar pessoas em situação de vulnerabilidade a cederem seus dados em troca de dinheiro — o que fere princípios da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Na nova tentativa, a Tools For Humanity propôs um modelo diferente: os usuários não receberiam diretamente os tokens ao escanear a íris. Em vez disso, ganhariam recompensas se conseguissem indicar outras pessoas que também se submetessem ao processo de verificação. A empresa alegou que essa nova proposta eliminaria o incentivo direto e manteria os princípios da regulação.

Contudo, a ANPD entendeu que, mesmo nesse novo formato, o modelo ainda representava uma compensação financeira indireta, baseada exclusivamente na coleta de dados biométricos. Na visão da agência, transformar dados sensíveis em moeda de troca — ainda que por meio de terceiros — continua comprometendo o livre consentimento do usuário.

O diretor da ANPD, Arthur Pereira Sabbat, destacou que, diferentemente de programas tradicionais de indicação, nos quais o benefício está atrelado ao uso de produtos ou serviços concretos, a proposta da Tools For Humanity transforma o próprio dado biométrico no objeto central da operação, acentuando os riscos associados à exploração de informações sensíveis.

A World, marca usada pela empresa para esse projeto, afirmou em nota que discorda da decisão da ANPD e pretende adotar medidas legais adicionais. Argumentou ainda que programas de indicação são comuns no Brasil e utilizados em diversos setores. Mesmo assim, a ANPD reafirmou que, neste caso, os dados biométricos estão sendo tratados como produto a ser comercializado — algo que exige atenção especial e medidas de proteção mais rígidas.

Antes da suspensão, o serviço já havia ganhado popularidade em São Paulo, com relatos de pessoas em situação de vulnerabilidade que aceitavam registrar sua íris em troca do dinheiro rápido oferecido pelos tokens, cujo valor variava entre R$ 300 e R$ 700, dependendo da cotação.

Diante da decisão, a prática conhecida como “venda de íris” continua proibida no Brasil, e o debate sobre ética na coleta de dados sensíveis segue em alta, especialmente com o avanço de tecnologias baseadas em inteligência artificial.

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