Após semanas de perdas e frustrações, investidores em títulos públicos dos Estados Unidos respiraram aliviados na última sexta-feira (2), quando um relatório de emprego surpreendentemente fraco desencadeou uma corrida de compras. O dado revisado eliminou impressionantes 258 mil vagas de maio e junho, mudando a percepção sobre a saúde do mercado de trabalho americano e reacendendo as expectativas de cortes de juros pelo Federal Reserve (Fed).
Segundo os contratos futuros, agora há 84% de chance de o Fed reduzir a taxa já na próxima reunião, com pelo menos dois cortes estimados até o fim do ano. Para Kevin Flanagan, chefe de estratégia de renda fixa da WisdomTree, a correção no mercado de trabalho foi decisiva: “Nada como uma revisão para baixo de 250 mil vagas para mudar a história”, afirmou.
Estrutura da curva volta a favor de investidores
A grande estrela desse movimento foi a chamada “tendência de acentuação” da curva de juros — estratégia que aposta na maior diferença entre os rendimentos dos títulos de curto e longo prazos. O rendimento dos títulos de dois anos, que são mais sensíveis à política monetária, caiu mais de 0,25 ponto percentual, maior queda diária desde dezembro de 2023.
Essa mudança fez o spread entre os títulos de dois e 30 anos subir fortemente, trazendo lucro para quem manteve a aposta, mesmo após semanas difíceis. “Ainda gostamos da perspectiva de inclinação da curva de juros”, disse Mark Dowding, diretor de investimentos da BlueBay, da RBC Global Asset Management, que aposta nessa diferença maior.
Vitória para quem teve paciência
Desde abril, quem apostava nessa estratégia vinha sofrendo. O custo de financiar a posição era alto, e a falta de dados que sustentassem a tendência tornava o investimento arriscado. Mas o choque nos números do emprego deu fôlego. O volume de contratos futuros negociados triplicou na manhã de sexta-feira, mostrando a força da reviravolta.
Um dos sinais de otimismo foi uma grande negociação que mira múltiplos cortes de juros ainda este ano, apostando na primeira redução já em setembro. Para esses investidores, cada dado fraco reforça a tese de que o Fed terá de agir para conter uma desaceleração econômica.
Reação a Powell e ruído político
No início da semana passada, o presidente do Fed, Jerome Powell, afastou a possibilidade de cortes imediatos, destacando a força do mercado de trabalho. Sua fala deu confiança para apostas de alta nos rendimentos, que foram rapidamente revertidas pelo novo relatório. “Powell basicamente descartou um corte em setembro, mas o dado foi tão fraco que os investidores foram forçados a cobrir posições”, explicou Tony Farren, diretor do Mischler Financial Group.
No campo político, o presidente Donald Trump inflamou ainda mais o clima ao pedir a demissão da comissária do Departamento de Estatísticas do Trabalho, acusando-a de politizar o relatório. Enquanto isso, dissidentes dentro do Fed, como Christopher Waller e Michelle Bowman, além de Trump, defendem que o banco central já deveria ter começado a cortar os juros.
E agora?
A alta de sexta-feira trouxe alívio, mas deixa a pergunta: o quanto esse movimento é sustentável? A preocupação é que o dado de emprego sinalize não apenas uma desaceleração saudável para conter a inflação, mas sim uma fraqueza mais profunda, capaz de pesar sobre toda a economia americana.
Além disso, ainda restam dois relatórios importantes de inflação e mais uma leitura da folha de pagamento antes da próxima reunião do Fed. “Claramente aumenta as chances de corte em setembro, mas não é um cenário garantido. O desemprego ainda está baixo e o risco de inflação mais alta com tarifas ainda existe”, alertou Priya Misra, do JPMorgan.
Enquanto isso, investidores voltam a olhar para os títulos do Tesouro com apetite, confiantes de que os cortes de juros podem finalmente chegar — mas atentos a cada nova pista da economia que possa mudar o jogo outra vez.
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